
A Música
Era uma tarde chuvosa de inverno, e a chuva não dava um só minuto de trégua, a sensação térmica era de 2º abaixo de zero, e nós ainda tinhamos que esperar algumas horas ate o jogo começar.
Meu pai fazia seus alongamentos em um corredor estreito e mal cuidado, pensando que seria o próximo a jogar, mas aquele clube não era dos mais organizados, e só tinha uma quadra coberta e muito mal iluminada.
Já fazia pelo menos uma hora que eu escutava uma interminável história sobre como aquele clube em ruínas, já tinha tido seus dias de glória e já tinha ganhado tantos e tantos campeonatos paulistas de tenis, natação e vela. Então nós escutamos uma música meio distante e já que não tinhamos o que fazer, fomos procura -la. Passamos em meio a um bosque de eucaliptos que exalavam um perfume refrescante e se balançavam por causa da chuva e do vento, como se dançassem ao som da música. Depois de cruzar o imenso jardim, lá estava ela, ela e o musico. Ele não era jovem, nem belo, nem famoso e também não tinha a melhor voz do mundo, mas estava ali naquela arquibancada vazia, com dois ou três amigos.
Eles se divertiam apesar do frio e da chuva. E la fomos nós de novo, nos sentamos perto e eles logo foram puxando assunto, essa é uma característica das pessoas mais velhas, parece ate que com a chegada da morte elas sentem necessidade de fazer tudo que não fizeram e passam a ser mais sociaveis e comunicativas.
Ninguém se apresentou, começamos todos a conversar como se já nos conhecessemos a anos, o primeiro assunto foi o tempo, é incrivel como sempre que pessoas desconhecidas iniciam uma conversa o primeiro assunto é sempre o tempo, é como se fosse um tema universal, já que todas as pessoas podem dar sua opinião sobre ele sem medo de serem censuradas.
Depois de todas as considerações feitas sobre o tempo, o senhor com o violão olhou para mim e me ofereceu uma música, e começou a canta-la e toca -la
A música agradou a toda platéia ali presente, a canção chamava -se "parte minha", e por uma grande conhecidência ou por ironias do destino a música se referia a uma Mariana que não era eu, mas quando ouvimos músicas com nossos nomes por piores que elas sejam, e por mais que não tenham nada a ver com nossas vidas, nós gostamos dessas músicas e ate nos sentimos um pouco honrados por elas existirem.
Enquanto prestavamos atenção na música, também reparei que o músico tinha duas alianças no dedo anelar e seu violão tinha duas consoantes gravadas lado a lado. Durante o almoço aquele senhor fazia os mesmos discursos do meu avô, mas talvez por ele ser um estranho eu prestava mais atenção.
Ele falava sobre nosso tempo de vida e sobre as certezas da vida, também comentou sobre sua falecida mulher com o olhar marejado de saudade e com um sorriso cheio de lembranças.
Então meu pai finalmente foi chamado para jogar. Nos despedimos daquele senhor, que ali ficou tocando seu violão e cheio de histórias para contar.